Sejam Bem-Vindos!

O Botequim é um espaço democrático e opinativo sobre os mais diversos assuntos, envolvendo a sociedade brasileira e o mundo.

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sexta-feira, 30 de julho de 2010

Espaço Literatura (Conto): A Fantasia Mendiga


Sexta-feira, fim de tarde, dia do choppinho de encerramento da semana de trabalho. Dois amigos tomavam cerveja dentro de um bar popular em Caxias. Papo vai, papo vem, até que o Adelmo, depois de dezenas de histórias sem futuro, resolveu contar uma triste história pro Martinho.
– Tristeza meu amigo? Só se for do nosso coração, pois existe muita gente que passa fome pra saciar outra coisa, em outro lugar. Vou te contar uma história real, não é mentira não. A história da Dona Cacilda.
– Ô Adelmo, se for mais um papo furado é melhor não. Estou cansado de ouvir caô.
– Tá bom, mas tudo foi presenciado de verdade. Nem eu acreditava no espírito de devoção daquela velha.
– Então desembucha ôme.
– Tudo começou quando eu vendia bala no trem. Ficava pra lá e pra cá, da Central pra Japeri, de Japeri pra Central, da Central pra Santa Cruz, e assim sempre. Fiquei nessa vida por uns cinco anos; ô aninhos sofridos!!. Fiquei foi com muitas varizes nas pernas, aquelas que pareciam querer estourar de tão grande. O dinheiro que ganhava vendendo gamadinho só dava para garantir o almorço e a janta. Vivia numa pindaíba que dava dó. Acordav...
– Peraí! Você vai ficar falando da sua vida! Pensei que tinha uma história pra contar,... garçon!... Traga mais uma!
– Tá certo, vou ao que interessa – disse Adelmo se desculpando.
¬– Foi nessa época que conheci uma Dona, já velha de uns sessenta anos, que pedia esmolas em tudo que era lugar num dia só. Ficava espantado com a ligeireza da velha. Parecia até fantasma. Uma hora tava andando no trem, estendendo a mão pelancuda aos passageiros; outra tava na porta de algum banco, com a mesma mão ossuda e pelancuda; às vezes dava as caras no túnel de Campo Grande, estendia um tapete velho, que nem pra cachorro servia, e ficava lá, com a mesma mão feia. Quando saltava na Central, perto do metrô, advinha quem tava lá? Ela do mesmo jeito. Isso tudo num dia só! Fiquei intrigado com a danada da velha. Achava que a pobrezinha passava até fome. Devia não dar muito lucro a esmola nesses lugares, por isso que ela ficava pra lá e pra cá pra ganhar algum.
Foi num dia então que resolvi contribuir e puxar assunto com a velha, saber quanto ela faturava por dia. Sim!... Eu ganhava uma merreca me desgastando todo com aquele danado do gamadinho, enquanto ela no bem bom sentada, só estendendo a latinha que só vivia vazia, não acreditava que ela ganhasse menos que eu. Foi então que fiquei sabendo que se chamava Cacilda, Dona Cacilda. Morava em Santa Cruz, há muitas léguas de onde estava nós. Pedia esmolas pra sustentar os cinco netos, todos sem pai. Aí perguntei se a esmola dava boa soma por dia...
– Ê o que foi que ela disse? – perguntou Martinho arregalando seus grandes olhos.
– Nada, mudou de assunto e se despediu.
– Ê você? O que foi que fez?
– Nada, fui embora vender minha mercadoria.
– Mas!? Que diabo de história sem graça é essa?
– Calma Martinho, você é apressado hein!... Eu ainda não terminei.
– Fiquei intrigado com aquela velha, não sei por quê. Aí os dias passaram. E num dia de chuva, estando sentado na estação de Quintino, advinha quem encontrei?
– Dona Cacilda?
– Não, o Sempescoço!
– O que há de bom nisso?
– Paramos pra prosear, aí o papo adentrou no assunto da velha. Ele me disse que conhecia a Dona Cacilda, e me disse que ela é a primeira baiana da Acadêmicos de Santa Cruz...
– E daí? Não vejo nada demais nisso.
– É, mas ele me esclareceu tudinho.
– Ele me disse também que a Dona Cacilda não é mendiga não. Ela também não tem tanto neto assim não. Só tem uma filha já grande que tem dois filhos, trabalha e se sustenta. A velha tem até pensão do marido morto por bala perdida...
– Olha ô Adelmo, acho que a cerveja tá te deixando lelé. Que diabo de história sem graça é essa. E daí?
– Como e daí? Alguém que não precisa mendigar mendigaria por gostar?
– É claro que não!- Respondeu o Martinho.
– Então ôme, é tudo por amor pela escola!
– O Sempescoço me disse tudinho. Em todos os detalhes. A velha pedia esmolas para comprar a fantasia de baiana. Aí meu caro, noutro dia, no trem, encontrei a Dona Cacilda, toda com cara de jururu, como se tivesse passando fome, com aquele mesmo gesto, as mãos magras estendidas na busca de algum trocado. Antes, imaginava a felicidade da velha com o saco de feijão, de arroz, com o macarrão, com a dúzia do ovo; agora vejo outra felicidade, a do pano branco de candoblé, das lantejoulas, da purpurina, do ouriço, do samba na cabeça, da folia... Ê velha esperta. Quando se aproximou de mim, puxei outra vez conversa, já desmascarando a sonsuda. Onde já se viu, tomar lugar dos pobres que verdadeiramente passam fome! É uma degradação pra classe dos pedintes! O que o bom samaritano iria dizer ao saber que sua pequena contribuição que serviria pra encher buchos vazios estava agora era enfeitando o tecido carnavalesco de brilho? Não podia! Estava pondo em risco a atividade pedante. Isso não se faz dona!!...
– Você falou tudo isso pra ela?
– Coitada, não tinha mesmo dinheiro. Resolveu pedir honestamente. – indagou complacentemente o Martinho.
– Que nada! Tava enganando os outro de qualquer jeito... Ô Paulim, trás mais uma aí!
– Ê aí, o que foi que ela te disse depois de tudo.
– Disse com a cara bem lavada que era o último dia de mendicância. Já tinha o dinheiro pra fantasia. No mês que vem tem o seu mundo a sua espera... E eu, na época, o meu trem...
Adelmo terminou seu conto com um ar de tristeza, pois não tinha evoluído tanto assim, trabalhava junto com Martinho numa empresa de conservação. Era faxineiro. Continuava a sofrer do mesmo jeito. Martinho consolou o amigo e brindaram à felicidade dos dois; era verão, mês de fevereiro, uma semana pro carnaval. Enquanto a conversa prosseguia em outro rumo, a televisão do bar anunciava no RJ TV uma reportagem sobre Escolas de Samba; se via uma velha baiana desfilando com garbo pela quadra de sua escola, os dois não perceberam, mas alguma coisa me diz que aquela figura acabada e feliz era a Dona Cacilda.

Contos de Botequim.(Silfra Doval, Taubaté, 28 de julho de 2005).

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Espaço Ponto de Vista: A Lei das Palmadas



O Presidente Lula enviou, no dia 14 de julho, ao Congresso Nacional, o projeto de lei que visa coibir os castigos corporais aos menores de idade, assim, palmadas e beliscões serão tratados como agressão à criança e ao adolescente e terão redação particular no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O assunto, é claro, está causando polêmica, pois muitos estão se perguntando se, depois de votada e aprovada, a lei terá como característica principal a interferência direta na educação do seio familiar brasileiro. Nas palavras de nosso Presidente, “Os críticos vão dizer que estamos tentando impedir que os pais eduquem seus filhos. Ninguém quer proibir que uma mãe seja mãe nem que um pai seja pai. O que queremos é mostrar que é possível fazer as coisas de uma forma diferente"... “Todo mundo sabe que na época da palmatória não se educava melhor que na época do diálogo.”
Logo de cara, num momento tão conturbado e recheado de acontecimentos muitos mais importantes, se preocupar com as palmadas dos pais, acho, eu, uma tremenda falta do que fazer.
Antes da morte do menino Wesley, num CIEP em Costa Barros, a sociedade carioca via perplexa as diversas reportagens a respeito das agressões de alunos a professores nas escolas públicas. Isso é um problema muito sério, por sinal muito sensível, pois como lidar com esse tipo de situação que já há muito tempo vem ocorrendo em nossas escolas? Como tratar e separar o aluno impulsivo do aluno delinqüente? Será que nossos professores são os únicos culpados nessa interação? Isso sim é uma questão a ser debatida e discutida para que medidas sérias sejam implementadas, visando coibir e reduzir esse triste comportamento. É bom lembrar também que estamos em pleno ano eleitoral e nosso presidente deveria estar muito mais preocupado com questões mais sérias, como, por exemplo, os projetos que seu futuro candidato, Dilma Rousseff, irá defender para vencer a batalha eleitoral. Mas é bom deixar pra lá esses problemas, pois no fim, tudo se resolve. O problema mais importante do momento são as palmadas que os pais não podem mais dar nos seus filhos, ou melhor, os pais deverão pensar duas vezes antes de aplicar o extremo corretivo.
Ainda sobre o polêmico tema, a criança quando é malcriada e desobediente é assim por puro reflexo do comportamento dos pais; seja no mimo demasiado ou no mau costume dar tudo sem cobrar nada em troca. Por outro lado, se no seio familiar o diálogo for imperante ao ponto de vencer a TV e a internet, parabéns! Assim, os pais podem se vangloriar que estão com a faca e o queijo nas mãos, mas todo mundo sabe que um dos grandes problemas familiares, hoje em dia, que suscita estudos profundos de nossos psicólogos e também pedagogos, é a falta de diálogo que muito solapa o convívio familiar.
Na minha família, por exemplo, e acredito que em muitas neste país, o diálogo não prevaleceu ao ponto de corrigir por si só o mau comportamento, mas nas famílias que ainda preservam uma base sólida de coesão familiar, o diálogo é facilmente substituído pelo exemplo, isto é, pelo comportamento de boa conduta dos pais. Por sinal, durante a minha infância, lembro-me muito bem das muitas surras que levei da minha mãe e do meu pai, e isso nada prejudicou a minha formação, a minha educação familiar, aliás, acho que ajudou e muito. Os motivos das surras eu sabia muito bem e, talvez, pelos bons exemplos dos meus pais tinha a consciência de que aquilo que eu tinha feito não estava certo. Portanto, tapas, beliscões, palmadas – sem a intenção do espancamento e dos maus tratos – fazem parte do último recurso dos pais para frearem os impulsos dos seus filhos. E isso é perfeitamente normal.
Na família de nosso presidente, o diálogo foi sempre o salvador da ordem familiar, portanto, o presidente Lula é um homem privilegiado, pois vem de uma família que certamente é uma das poucas exceções existentes no Brasil, visto que seus pais criaram os seus muitos filhos sem levantar a mão uma única vez, mas, talvez, o tom de voz tenha sido levantado várias vezes. Quem é que conhece melhor um filho se não um pai ou uma mãe? Por isso mesmo acho uma extrema tolice essa lei que trata desse tipo de comportamento, mas é claro que não estou aqui concordando com o espancamento, isso é crime já consolidado no ECA, é outra história.
Quanto à lei da palmatória em si, como será aplicada? Ou melhor, como será fiscalizada? Será que o nosso presidente vai criar um órgão que seja responsável pela fiscalização das peles das crianças dentro de casa, para conferir se há ou não manchas que denunciem algum beslicão...?
Brincadeiras a parte, acho que a lei da palmada será mais uma lei posta no papel que será inócua, mas acredito, por outro lado, que reacenderá o debate de pais e educadores a respeito da educação de nossas crianças.

- Por Franco Aldo, Rio, 29 de julho de 2010 -

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Espaço Esporte: Convites e recusas: A Seleção do Brasil em boas mãos



Você aceitaria ser técnico da Seleção Brasileira? “Quem é que não aceitaria?!”, foram as palavras de Muricy Ramalho a um repórter da ESPN ao ser convidado pela CBF, na sexta, dia 23 de julho, para o comando da Seleção canarinho. Mas Muricy Ramalho demonstrou cautela, principalmente, no seu depoimento à imprensa, pois precisava primeiro acertar a sua situação com o Fluminense, clube que o contratou recentemente. Porém, para a surpresa de todos, no fim da tarde da mesma sexta-feira, a diretoria do clube tricolor anunciou que Muricy Ramalho não deixaria o Fluminense, pois o requisitado técnico faz parte de um grande projeto que visa levar o clube a grandes conquistas. O mais curioso é que da boca de Muricy nada saiu, apenas a recusa oficial ao doutor Ricardo Teixeira. Assim na mesma sexta-feira, a CBF anunciou o seu convite a Mano Menezes, o competente técnico do Corinthians, que aceitou o convite já no sábado, dia 24.
Diante de toda essa confusão de convites e recusas fico a me colocar na situação de Muricy Ramalho que deve estar se perguntando, o que que eu fui fazer nas Laranjeiras?. É claro que o técnico três vezes campeão brasileiro, detentor de um currículo invejável, deve estar frustrado com a impossibilidade de dirigir a seleção, pois está na cara que a recusa deu-se por motivos financeiros. Arcar sozinho com uma altíssima multa rescisória de seu contrato, só um louco faria isso, mas acho que bem que o Muricy teve lampejos de loucura.
Diante de tudo, juro que fiquei muito decepcionado com a recusa de Muricy, principalmente por que foi perceptível um momento de grande euforia, tanto do lado da expectativa de ver um profissional gabaritado dirigir a seleção brasileira, quanto do próprio Muricy que estava visivelmente eufórico, mas comedido nas palavras.
Espero que o técnico do Fluminense esqueça esse episódio e faça mais um belo trabalho, pra quem sabe, no futuro, voltar a ter nova oportunidade de comandar a seleção pentacampeã do mundo. Espero, também, que diante da recusa de Muricy, a CBF não guarde mágoas, pois é histórico na entidade preferir nomes sem expressão, em detrimento daqueles que fizeram seu nome através do trabalho, portanto o convite a Muricy foi um fato raríssimo na história da CBF.
Já quanto a Mano Menezes, acho que o comando está bem entregue, pois o currículo do ex- técnico do Corinthians também transparece muito respeito, que digam os Gremistas de plantão...
Quanto à primeira convocação, achei bem interessante, mas só devo lembrar que o momento é de renovação, portanto alguns nomes, que para muitos, não deveriam figurar na lista, servem, de imediato, como experiência.
Tenho plena confiança no novo técnico da seleção, pois é competente. É só olhar o seu passado como técnico nos clubes por onde passou. Assim, de início, Mano terá como seu primeiro grande desafio a renovação do elenco brasileiro, não que isso signifique deixar de aproveitar os jogadores que participaram da última Copa, como os que não foram convocados; Júlio César, Lúcio, Maicon, Kaká, mas fazer com que novas opções sejam incorporadas ao time, com fins de fazer o Brasil ganhar a sua primeira medalha de ouro nas Olimpíadas, em 2016, e a conquista do hexa campeonato em 2014.
Vamos lá Mano! Mostre a sua competência! Boa sorte!

- Por Franco Aldo, Rio, 28 de julho de 2010 -

terça-feira, 27 de julho de 2010

Espaço Ponto de Vista: As Mazelas do Descaso


Ontem eu escrevi a respeito das estúpidas mortes do menino Wesley, João Hélio e de Rafael Mascarenhas. Fui bem enfático na responsabilização do Estado quanto ao seu dever constitucional de promover a segurança pública. As três mortes podem ter como origem fontes diferentes, bala perdida (o caso de Wesley), latrocínio (o caso de João Hélio) e atropelamento (o de Rafael Mascarenhas), mas todas estão unidas por uma das carências mais visíveis de nossa sociedade, a falta de segurança, devido, principalmente, pela falência da polícia militar. E como se não bastasse, no dia 25 de julho, outra estúpida morte envolvendo diretamente os agentes da lei; o assassinato de Bruce Cristian de Souza Oliveira, de apenas 14 anos, em Fortaleza, que estava na garupa da moto de seu pai quando foi alvejado na cabeça por um disparo realizado pelo soldado Silveira (1ª Companhia do 5º Batalhão). Segundo seu superior, Major Valberto Oliveira, "Foi uma abordagem desastrosa e trágica. Eles mandaram o rapaz parar. Segundo ele, o rapaz não ouviu, e o policial efetuou o disparo contra a moto".
Mais uma morte envolvendo policiais militares, será pura ironia do destino? Ou existe algo errado em tudo isso que deve ser corrigido?
Existe o ditado popular que “apontar os erros de alguém é sempre muito mais fácil do que apontar as coisas boas”. Esse tipo de ditado só é válido quando esse alguém tem muito mais virtudes a oferecer do que as possíveis falhas que possam advir. A polícia militar, seja ela do Rio de Janeiro, de São Paulo, do Ceará, de Minas Gerais, etc, está fora da moral desse ditado, pois a PM, como um todo, sofre com o descaso e falta de seriedade do governo, claramente estampando em nossas capitais, no dia-a-dia.
Esse descaso é bem visível desde o processo de seleção e preparo de nossos futuros policiais; mais visível ainda, no fraco e vergonhoso salário. Alguém sabe quanto ganha um policial militar no Rio? Acho melhor nem dizer, mas o fato é que com um baixo salário, aumenta ainda mais a incidência de policiais em bicos, como segurança e no envolvimento com grupos de milícias, culminando em ações de extermínio. É claro que uma boa remuneração não resolveria o problema da extorsão, da propina, da falta de valores..., mas seria o início de uma séria reforma na segurança pública. Portanto, vamos apontar os erros sim! E cobrar dos governos, seja ele Federal, Estadual e Municipal, uma profunda reforma em nossos alicerces que deve iniciar-se, em curto prazo, com uma melhor seleção e preparação de nossos policiais, com um salário digno e com um melhor aparelhamento. No longo prazo, numa profunda reforma em nossas leis penais e uma radical transformação em nossa educação, pois tratar do assunto segurança pública longe de uma educação de qualidade é tentarmos esconder a sujeira da sala por debaixo do tapete, como vem sendo feito há décadas!
O caso do menino Bruce Cristian de Souza Oliveira foi mais uma trapalhada do despreparo de uma de nossas sensíveis instituições, a polícia. Enquanto pessoas sérias não modificarem profundamente os três setores que mais atrasam o Brasil, segurança, educação e saúde, cansaremos de ouvir e presenciar tristes notícias como o caso do menino Bruce. Que Deus o proteja!

- Por Franco Aldo, Rio, 27 de julho de 2010 -

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Espaço Ponto de Vista: Mais uma Vítima de nossa secular selvageria



Na triste sexta-feira do dia 16 de julho, o menino Wesley Guilber de Andrade que assistia a uma aula de matemática, dentro de sala de aula no CIEP Rubens Gomes, em Costa Barros, foi estupidamente assassinado por uma bala perdida.
No sábado, dia 17, estava eu diante do computador, já escrevendo as primeiras linhas deste triste e vergonhoso episódio, quando decidi deixar as coisas se amainarem para poder tecer um ponto de vista sem o uso predominante da emoção..., mas me arrependi. O arrependimento foi mais por sentir que tudo aqui no Brasil se perde com o decorrer do tempo, ou melhor, o combustível, a vontade de mudar se enfraquece com o passar das horas e parece que muita coisa perde o seu sentido, isto é, a sua gravidade depois que outra notícia toma a atenção da opinião pública. Antes, os holofotes da impressa estavam voltados exclusivamente para o caso do goleiro Bruno, depois veio o episódio de Wesley, e agora, o atropelamento e morte do músico Rafael Mascarenhas que é melhor ser identificado apenas como o filho de Cissa Guimarães, pois aqui os títulos de nobreza ainda não acabaram. A idéia do “você sabe com quem está falando” ainda toma conta do nosso inconsciente... Infelizmente ainda reflexos da casa grande e da senzala.
Deixando de lado o nosso inconsciente e voltando para o caso Wesley, mais uma vez o Estado provou a sua incompetência no que diz respeito à segurança pública. E quando eu aludo a Estado, estou me referindo aos governos da esfera federal, estadual e municipal, pois todos eles têm uma grande parcela na responsabilidade do caso.
O assassinato do menino Wesley – prefiro o termo assassinato à morte, pois a criança foi executada por culpa do Estado – não foi a primeira e infelizmente não será, pelo menos em curto prazo, o último. Lembremos o caso do menino João Hélio, brutalmente assassinado no dia 7 de fevereiro de 2007, vítima de assalto; a criança ficou presa, pelo lado de fora, ao cinto de segurança de seu próprio carro e foi arrastada pelas ruas do Rio ao ponto de ter todo o seu corpo destroçado. Uma barbárie que teve também como vilão a omissão do Estado em promover a segurança dos seus cidadãos.
A diferença na morte de Wesley e na morte de João Hélio reside na responsabilidade direta do Estado naquela e na responsabilidade indireta nesta. A responsabilidade direta está no fato de que foi o Estado, através de seu menoscabado aparelho chamado Polícia Militar, o responsável direto nas ações contra os bandidos da região, culminando na sua omissão de promover a premissa básica de toda e qualquer manobra militar, a segurança da população. Outro dia escutava atentamente num botequim aqui perto de casa o debate de duas pessoas a respeito do caso e uma das pessoas disse que “quando se tem bala perdida, o povo diz logo que o tiro veio da polícia, nunca os bandidos tem culpa”. A questão aqui é que sempre que houver tiroteio entre bandidos e polícia, culminando com morte por bala perdida, o Estado, ou melhor, o aparelho polícia será sempre responsabilizado, pois é de sua responsabilidade dar, em primeiro lugar, segurança para as pessoas de bem, ou seja, o cidadão. No caso do menino Wesley a responsabilidade ainda é maior, pois o tiro de fuzil parece ter saído mesmo do armamento da polícia.
Quanto à responsabilidade indireta no caso de João Hélio, não é muito difícil percebermos que em muitos pontos do Rio carecem de um melhor policiamento. Foi o que ocorreu nesse caso, os bandidos fizeram tudo de mais terrível que possa existir em termos de crueldade e não apareceu um defensor da lei para salvar o pobre menino. A comoção por todo o Brasil foi muito grande e apesar disso, o que foi feito para que tragédias como essa possam ser evitadas??
Para encerrar, a nossa sociedade está cada vez mais sendo consumida pelas chamas do inferno, pois os nossos defensores da lei estão cada vez mais voltados para “o outro lado”, que digam os militares envolvidos no caso da morte de Rafael Mascarenhas, pois quando todo mundo achava que existia apenas um vilão nessa história, o estudante Rafael Bussamra, surgem os policiais militares sendo acusados de receberem propina por liberarem o carro do assassino. Isso é demais!!
Que Wesley, João Hélio, Rafael Mascarenhas e muitas outras vítimas da incompetência do Estado estejam num plano bem melhor que o nosso; repleto de paz e seriedade. Vamos esperar que pelo menos a idéia da Copa e das Olimpíadas seja motivo para melhorarmos definitivamente a nossa segurança e reduzirmos a nossa selvageria.

- Por Franco Aldo, Rio, 26 de julho de 2010 -

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Espaço Botequim: A Origem da Sinuca



Quando o boteco é ajeitado, é fácil perceber o capricho do dono, seja com uma máquina de música, tocando muita coisa do passado e pouca do presente, seja com um violeiro talentoso solitário, mas pro estabelecimento comercial ir pro dez, não pode faltar a mesa de bilhar ou, como preferirem alguns, sinuca.
O surgimento do bilhar deu-se no século XIX. Já praticados os jogos em mesas com bolas e tacos, em diferentes versões, a modalidade do snooker surgiu em 1875, durante período de intensas chuvas na cidade de Jubbulpore, Índia, quando oficiais Ingleses do Regimento Devonshire passavam muitas horas em volta de uma mesa de bilhar. Diversão era a ordem do dia, para entreter e manter elevada a moral dos militares. Buscando novas motivações e usando modalidades já conhecidas, o oficial inglês Sir Neville Francis Fitsgerald Chamberlain iniciou experiências com variações no uso das 15 bolas vermelhas e uma branca do jogo “pyramids”, mesclando-as com as bolas coloridas do “life pool”, e outras depois acrescentadas, agradando os praticantes. Assim nasceu o novo jogo, batizado de snooker.
A divulgação da nova regra em outros continentes teve maior repercussão por meio de John Roberts, então grande jogador de bilhar, que em 1885 viajou à Índia e foi apresentado a Chamberlain, conhecendo e adotando o novo jogo.
Em 1907 Charles Dawson, campeão inglês de bilhar, venceu o primeiro campeonato profissional de snooker. Em 1927 o inglês Joe Davis venceu na Inglaterra o primeiro campeonato mundial de snooker, tendo como recompensa o valor de £ 6,10, iniciando a era dos grandes prêmios nesse esporte. O mesmo Joe Davis venceu os primeiros 15 campeonatos mundiais do snooker. Em 1986 Joe Johnson atingiu £ 70.000,00 de prêmios em um único campeonato. Hoje os prêmios em campeonatos mundiais chegam a £ 3.000.000,00.
Em 1990, com apenas 21 anos de idade o escocês Sthefen Hendry estabeleceu novo recorde reconhecido pelo "Guiness Book", como o mais jovem campeão mundial do snooker. Em 1999 ele atingiu mais um recorde na história recente do snooker, vencendo o seu 7º campeonato mundial.
O snooker evoluiu, praticado pela elite em alguns países e se popularizando em outros. Engana-se quem acredita que a popular sinuca brasileira é "coisa de plebeu". Na Inglaterra, onde o snooker empolga a população, dividindo a preferência com o futebol e outros esportes de destaque, duas recentes publicações especializadas em esportes divulgaram que a "dama de ferro" Margareth Tatcher e o Príncipe Charles são praticantes do snooker, que originou a nossa sinuca".

Muito antes disso personagens históricos jogaram ou citaram os jogos do bilhar em suas obras, a exemplo de Shakespeare, Mozart, Heitor Villa-Lobos e muitos outros. A história detalhada do esporte é encontrada no livro “Snooker: tudo sobre a sinuca”, edição de 2005, de Sergio Faraco e Paulo Dirceu Dias.

RESUMO DE ACONTECIMENTOS HISTÓRICOS
MARCANTES PARA OS JOGOS DO BILHAR

• 589 a.C. - O filósofo Anacarsis descreve jogo parecido, que teria visto em Atenas.
• 1461/1483 - Afirma a história que Luís XI era jogador.
• 1480 - Gravuras mostram o jogo croquet, com “martelos” ou “massas” impulsionando bolas contra arcos sobre campo gramado, que alguns apontam como origem do jogo.
• 1587 - Maria Stuart teria feito referência à “sua mesa de bilhar”.
• 1646/1715 - Conta-se que Luís XIV praticava o bilhar “após as refeições”.
• 1694 - A Duquesa de Borgonha é retratada jogando.
• 1789 - Na França a nobreza praticava o bilhar e "ninguém podia instalar um bilhar público sem autorização especial da Coroa".
• 1807 - O francês Mingaud cria o taco afilado, com “sola” na ponteira.
• 1825 - Acontece na Inglaterra o primeiro campeonato da modalidade bilhar.
• 1835 - Em livro, com fórmulas matemáticas e aplicações científicas o matemático francês Gaspard Gustave Coriólis descreve as tacadas e efeitos do jogo de bilhar.
• 1835 - As tabelas recebem a borracha natural, com tubos de água quente circulante.
• 1836 - O tampo de madeira é substituído pela pedra ardósia.
• 1840 - A Casa Escardibul, na Espanha, se especializava em equipamentos para o jogo.
• 1844 - A borracha vulcanizada é usada nas tabelas, eliminando a água quente que circulava por tubulações.
• 1845 - Nasce nos EUA a fábrica de mesas Brunswick.
• 1859 - Acontece nos EUA, Detroit, o primeiro torneio americano de bilhar.
• 1874 - O Francês Maurice Vignaux vai aos EUA e derrota todos os profissionais da época.
• 1875 - Na Índia, o oficial inglês Sir Neville Francis Fitsgerald Chamberlain cria o snooker.
• 1907 - Na Inglaterra acontece o primeiro campeonato profissional de snooker.
• 1927 - O inglês Joe Davis vence o primeiro campeonato mundial de snooker, na Inglaterra.
• 1930 - Instala-se no Brasil, Rio de Janeiro, a fábrica de mesas Brunswick.
• 1931 - A Brunswick publica no Brasil a coletânea “Brunswick o ABC do Bilhar".
• 1940 - A Tujague, primeira fábrica brasileira, instala-se no Rio de Janeiro. Logo em seguida é fundada em São Paulo a Taco de Ouro.
• 1940 - Criança, o sergipano Walfrido Rodrigues dos Santos começa a jogar snooker, na regra inglesa, com 15 bolas vermelhas, depois transformando-se no mito da sinuca no Brasil, conhecido como "Carne Frita", apelido adquirido ainda na infância.
• 1944 - É fundada no Rio de Janeiro a Associação Metropolitana de Bilhar, conseguindo vinculação ao Conselho Nacional de Desportos - CND, que em 1956 revogou o vínculo "por desinteresse" daquela entidade.
• 1958 - Acontece em São Paulo o coletivo Interclubes Paulista, primeiro campeonato organizado conhecido no Brasil.
• 1960 - Surge em São Paulo a fábrica Tacolândia e nessa época tem início a era de ouro dos salões de sinuca, como os Maravilhoso, Taco de Ouro, Bandeirantes e outros em São Paulo, no Rio de Janeiro os Palácio, Indígena, Império, Copacabana e outros. Também fez fama o Taco de Ouro de Porto Alegre, RS, e diversos em outros estados.
• 1973 - É fundada a Federação de Sinuca e Bilhar do Estado do Rio de Janeiro, pioneira na organização do esporte no Brasil.
• 1978 - É realizado o primeiro Campeonato Brasileiro de Sinuca, no Palácio São Cristóvão, Rio de Janeiro.
• 1979 - É realizado o segundo Campeonato Brasileiro de Sinuca, em Brasília, DF.
• 1979 - Em São Paulo é fundada a Federação Paulista de Sinuca e Bilhar.
• 1980 - Realiza-se em São Paulo, capital, o terceiro Campeonato Brasileiro de Sinuca.
• 1986 - Funda-se em Brasília a Federação de Sinuca do Distrito Federal.
• 1986 - As três federações então existentes, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, fundam a Confederação Brasileira de Bilhar e Sinuca - CBBS, em Brasília, DF.
• 1988 - Os dirigentes das federações reúnem-se na cidade de Ubatuba, SP, aprovando a primeira manifestação oficial de uma regra brasileira, por meio da chamada "Carta de Ubatuba", codificando preceitos até então usados por convenção.
• 1988 - A sinuca é reconhecida no Brasil como esporte oficial, por Decreto assinado por Manoel Tubino, então presidente do CND - Conselho Nacional de Desportos.

Fonte: Confederação Brasileira de Bilhar e Sinuca.

Espaço Literatura (CONTO): Num Canto Caipira



O dia amanhecera como mais um dia triste, bem característico daqueles dias de inverno de todo o interior de S. Paulo, chuvoso e frio. Mesmo assim, às sete da manhã, já lá estava Carlim chapéu fazendo ponto em seu bico desprezível; orientava os motoristas para o perfeito acondicionamento dos seus carros, como se os mesmos não soubessem estacionar. O bafo medonho de Carlim chapéu já denunciava desde cedo os vários goles de caninha barata na birosca de Manel Feijão. A roupa suja e barata reclamava a ausência de mulher caprichosa e amante; o chapéu de feltro preto, marrom de sujeira, marcado por manchas de dedo engordurado simbolizava os muitos caipiras desolados, esquecidos, marginalizados; brasileiros do interior sem trabalho, sem estudo, sem família, sem esperança. As únicas coisas que mantinham Carlim chapéu vivo eram a amizade compartilhada por um bom dedo de prosa com Zé pretinho e a inseparável caninha, a sua única e verdadeira mulher, dona de todas as suas confissões, de seus sentimentos, de suas desgraças, a única capaz de compreendê-lo.
Mesmo odiado por muitos, Carlim chapéu conseguia, logo no primeiro contato, ganhar a simpatia até dos mais mal-humorados. Nesse dia, porém, Carlim chapéu estava diferente; aparentava tristeza e desolação. Alguns desocupados que dividiam o ponto de flanelinhas diziam que tinha sido a morte de Zé pretinho, seu amigo de cachaça, a causa dos seus males.
Zé pretinho era um negrinho de meia idade, raquítico e converseiro. Costumava usar um paletó cinza roto e uma calça preta remendada bem larga. Não usava o típico chapéu de peão, mas não abria mão de seu bonezinho ensebado e fedido. Era muito amigo de Carlim chapéu, as horas e horas no bar do Manel Feijão provava a todos a amizade de muitos anos. Zé pretinho, como Carlim, trabalhava fazendo biscates; era intitulado pedreiro de marca maior, mas pela idade avançada e a cachaça combustível, já não dava conta dos serviços pesados do dia-a-dia. Na cachaça, Zé pretinho era o rei, ninguém conseguia acompanhá-lo. Carlim chapéu bem que tentava, mas quando os olhos entortavam, tomava o rumo cambaleante de seu barraco e lá ficava, sem comer, sem tomar banho, apenas dormia.
Eram amigos de boemia – será que posso chamar assim aos pobres beberrões? –, Zé pretinho após tomar todas, montava em sua bicicleta velha e enferrujada e partia pra casa fazendo zig zag, muitas das vezes dava uma caroninha pra Carlim chapéu que aceitava sem a consciência do perigo. Muitas das vezes caíam juntos, se ralavam, mas nada afetava aquela amizade estranha de porta de botequim.
Mas foi num desses dias de muita pinga que Zé pretinho deixou esse mundo desumano e injusto. Após dar o último gole na birosca de Manel Feijão, montou em sua bicicleta e partiu costurando a rua. Os morros de Jardim América transparecem medo pra qualquer um, subidas e descidas quase verticais. Foi numa dessas descidas que Zé pretinho partiu. A bicicleta sem freio, o condutor bêbado, a descida violenta, um carro em alta velocidade; Buuummm!!! Morreu de morte matadinha o Zé pretinho..., na hora!. Alguns disseram que de sua cabeça nem se viu sangue, apenas um líquido forte e transparente, pinga? Exageros a parte, Carlim chapéu, agora, estava só, restava apenas a sua caninha, a única com a missão de guiá-lo.
No dia do enterro de Zé pretinho, tive que ir ao centro da cidade resolver negócios. Estacionei meu carro com a “ajuda” de um desocupado, logo simpatizei com aquele homem maltrapilho. Foi aí que ele me disse que seu melhor amigo seria enterrado naquela tarde, seu nome, Zé pretinho.
Apesar de não ter muito tempo, resolvi, de súbito, escutar as histórias daquele homem estranho, sem ao menos conhecê-lo. Se fosse com outro qualquer, talvez recebesse um ‘não amole’, mas resolvi escutá-lo. Carlim chapéu, cachaceiro caipira, homem triste e desiludido tinha perdido o seu único e verdadeiro amigo. Unidos pela pinga, os dois se compreendiam um ao outro; no linguajar dos bêbados não havia incompreensões, apenas alegria e a vontade de esquecer muita coisa do passado.
Fiquei muito espantado com a aquela história simples de gente comum, mas o fundo de tudo aquilo era belo, dignificante e humano. A pobreza esconde surpresas das mais sem explicações e curiosas; após dar uma boa gorjeta àquele miserável, vi-o partir para outro carro, cantando, em tom de loucura, uma velha canção de peão, talvez a preferida do Zé pretinho:

Aqui nessa estrada já dexei meu rastro em vão
Ieu e meu cavalo fumos pras redondeza do capão...



- Silfra Doval, Taubaté, 17 de setembro de 2005 -

terça-feira, 20 de julho de 2010

Espaço Esporte: SELEÇÃO DE 82, DUNGA E FRUSTRAÇÕES



Depois da eliminação da fraquíssima seleção de Dunga da Copa da África, estava eu pensando com meus limitados botões e cheguei à conclusão de que aquele puro sentimento de extrema emoção com a Seleção do Brasil foi algo que ficou enterrado lá na Espanha, desde aquele dia fatídico contra a Itália na então intitulada batalha de Sarriá. Lembrei-me desse fato, pois dei graças a Deus quando a Holanda eliminou a medíocre seleção de Dunga, quando na verdade deveria ficar muito triste. Mas pensando bem, triste ficaria eu se a seleção de Dunga chegasse à final, ou na melhor das hipóteses, ficaria sem catarse alguma, pois uma seleção que desde cedo foi considerada uma das mais fracas dos últimos vinte anos e carecendo de talentos em muitos setores fundamentais não poderia chegar e muito menos ganhar a Copa do Mundo, seria uma injustiça ao futebol arte, seria pura ironia do destino com aquela verdadeira Seleção Brasileira de 82.
A lembrança da seleção de 82 deu-se exatamente por tudo que a seleção de Telê Santana não tinha, falta do futebol arte e falta de jogadores aptos a vestirem a camisa da seleção. Tudo isso foram defeitos da horrível seleção de Dunga e que culminou no meu suspiro de alívio, e talvez no de muita gente, com a eliminação do Brasil na Copa da África.
Muito antes do início da Copa de 2010, assisti a quase todos os jogos do programa, exibido nos canais ESPN, e muito bem apresentado, “Clássicos dos Mundiais”. Como não poderia deixar de ser, não perdi o jogo entre Brasil X Itália na Copa da Espanha, em 1982. Naquela época eu tinha lá os meus nove anos de idade e o sentimento de frustração com a derrota foi como se uma epidemia estivesse assolado o esperançoso povo brasileiro.
Assistindo novamente ao jogo, já com mais de três décadas de vida, um sentimento de nostalgia tomou conta do meu ser, como se eu pudesse lembrar todos os fatos que aconteceram comigo e minha família durante aquele período, seja a lembrança de um velho comercial de TV, seja a lembrança das minhas amizades na época, mas deixando de lado os fatos de um passado pessoal, assisti estarrecido ao jogo, não acreditava no que estava vendo, pois assisti a um jogo de emoções para ambos os lados, não lembrava que a Itália tinha jogado tanto assim. As únicas lembranças que eu tinha desse jogo eram as jogadas sensacionais de Zico, Sócrates e Falcão e as gargalhadas do carrasco Paolo Rossi e nada mais. Percebi que a Itália tinha vencido o nosso futebol arte com um futebol vistoso, moderno, de um bom toque de bola, boas triangulações e é claro com muita sorte. Não podemos nos esquecer também, pois eu esqueci, que a Itália tinha feito um quarto gol que foi muito mal anulado.
O Brasil jogou com Valdir Peres, Leandro, Oscar, Luizinho, Júnior, Falcão, Cerezo, Sócrates, Zico, Éder e Serginho. A Itália jogou com Zoff, Oriali, Scirea, Gentile, Collovati, Cabrini, Bruno Conti, Tardelli, Antognoni, Graziani e Paolo Rossi. Os grandes nomes da partida foram, do lado da Itália, Paolo Rossi, Bruno Conti e Gentile. E do lado do Brasil foram Falcão e Sócrates. Zico ficou um pouco apagado com a marcação do implacável Gentile que chegou até a rasgar a sua camisa.
Foi uma partida emocionante que nada lembra a horrível seleção de Dunga e da CBF, mas que infelizmente não conseguiu o caneco.
Por fim, o fato é que, desde 82, o puro sentimento de amor por uma seleção de futebol não foi o mesmo, talvez provocado por um sentimento de frustração ainda maior que a própria alegria de ver a seleção canarinho de 82 jogar.


- Por Franco Aldo, Rio, 20 de julho de 2010 -

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Espaço Literatura: Deuses, Túmulos e Sábios



O passado sempre me fascinou, seja caminhando pela Rua do Ouvidor e sentindo o cheiro do passado em cada detalhe de antiquidade, seja visitando o Museu da Quinta da Boa Vista. O gosto pela leitura do passado, como a descoberta da América, o início de nossa colonização, e principalmente sobre Arqueologia sempre me despertaram a atenção, mas nunca tinha lido, até em tão, algo tão profundo e bem trabalhado como a obra de C. W. Ceram, de 1994. Foi numa exposição de aviação em Taubaté, interior de São Paulo, que consegui um exemplar novinho de “Deuses, Túmulos e Sábios: As grandes descobertas da Arqueologia”, num estande de uma livraria, por um precinho de banana... O livro tem em torno de 390 páginas e trata de muitas descobertas que revolucionaram a história do passado da humanidade. O livro é dividido em partes, a primeira trata do “O Livro das Estátuas” que relata as grandes descobertas a respeito do período clássico. A segunda parte trata do “O Livro das Pirâmides” que pelo próprio título nos leva até as areias próximas ao Nilo. A terceira parte é o Livro das Torres que nos remete às histórias fantásticas da Torre de Babel, aos Assírios e a escrita cuneiforme. A quarta parte é voltada para a América, numa reconstrução da conquista dos espanhóis sobre as terras de Montezuma. E por fim, a quinta parte, “Os Livros que ainda não podem ser escritos”, relato de tudo aquilo que estava sendo pesquisado quando da publicação da obra.
Hoje, “Deuses, Túmulos e Sábios” não é a obra ideal para quem quer se atualizar sobre o universo da arqueologia, mas é um livro que, sem dúvida alguma, deve figurar nas boas bibliotecas, pois é uma obra básica e clássica para aqueles iniciantes e apaixonados pelo passado.

- Por Franco Aldo, Rio, 19 de julho de 2010 -

domingo, 18 de julho de 2010

Espaço Literatura: Soneto da fidelidade


De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


- Vinícius de Moraes -

Espaço Literatura: Ensaio sobre os nomes





Numa das páginas que escreveu Henry Bergson, podemos ler que “... não somos apenas os únicos animais capazes de rir, mas também os únicos capazes de fazer rir...” Ou seja, só podemos rir de nós mesmos: um chapéu amassado jamais poderia, por si próprio, suscitar o riso; o que nos faz rir, na verdade, é a forma da nossa fantasia que aquele pedaço de feltro passa a interpretar, um símbolo do histriônico ou do ridículo que possamos parecer, nós ou nosso semelhante. De maneira análoga, parece-me, os dicionários teratológicos - os impressos e os imaginados – esgotam a fonte das possibilidades da ignomínia ou da monstruosidade, porque mesmo a imaginação mais fértil não pode engendrar seres que escapem aos limites da experiência humana; por mais anomalias, abscessos ou chifres que entes paridos pelo nosso terror possam ostentar, hão sempre de postular, embora desfigurada ou caricata, a compleição humana. Daí que pareça compreensível que se acredite que o mais atroz dos nossos possíveis pesadelos esteja em algo que prefigure algo de todo desconhecido, o inominado, aquilo que foge à precedência dos fatos, que foge desse consabido mundo especular, contaminado de humanidade, contaminado de nós mesmos, construído quase instintivamente, onde anjos e demônios, que a um só tempo delimitam e unem dois extremos – o intrínseco paradoxo que persiste entre os opostos -, podem muitas vezes não passar de projeções de um ego ou de um âmago pessoal ou, miseravelmente, coletivo. E para compreender aquilo que vemos eu acrescentaria que é imprescindível nomeá-lo; entre esses dois planos, entre outros indivisíveis arcanos, é que gravitam as palavras. O simples título de um objeto não pode deixar de fazer parte de sua substância; para a concepção humana, é preciso que se equivalham. Esse vasto repertório de nomes que sabemos que, em vão, procura abranger o universo, serve para retê-lo, enumerá-lo, ordená-lo, dentro dos limites da órbita do nosso entendimento. E é sobre as palavras que pretendo refletir e, pretensamente, me demorar um pouco. As palavras. Sim. As banais palavras, mas que em cuja composição parecem coabitar componentes tão dispersos e díspares quanto um instrumento e um dom, pois, como que de um modo casual, estranhamente custodiam esse complexo entranhamento. Crátilo, personagem de um dos diálogos de Platão, registrando um sentimento comum entre os sábios de sua época, assegurou que as palavras encerravam em si mesmas algo da essência das coisas que representavam; que ao pronunciarmos a palavra árvore não estávamos apenas repetindo um simples e aleatório enunciado da nomenclatura convencionada, mas, de certo modo, transcendendo à própria composição daquele ser. Penso que quanto mais nos remontarmos no tempo mais poderemos nos deparar com essa idéia, e que a disjunção entre o que hoje a gramática chama de significante e significado deu-se muito depois, com a invenção, ou descoberta, da escrita, ou dos mecanismos da lógica exata. Assim é que para os antigos, como ainda hoje para os povos que desconhecem a escrita, as palavras eram entidades em si mesmas; não havia, por exemplo, a noção de um deus do mar, o som da palavra mar era o próprio Mar, que por sua vez era o ser, o deus Mar, assim como para o Vento, o Sono, a Melancolia. Em toda sentença em que se procura cunhar um pensamento de caráter poético ou filosófico, subjetivo portanto, é natural que os substantivos e as formas verbais que compõem o tema, sejam concebidos em sua forma geral. Mas houve aqueles que entenderam que a intuição de Platão continha o absurdo pueril de sugerir, por exemplo, que o desenho da palavra hippus denotasse, como na escrita ideográfica, as formas anatômicas do cavalo. Muitos ignaros, para combatê-la, estendem essa opinião às recentes línguas derivadas do indo-europeu e à escrita, o que parece dar-lhe forma e aplicação, mas que na verdade, apenas a torna um corpo de prova para que mais facilmente seja refutada.
Em Roma, a capital do antigo império, entre os segredos que comportaram sua mitologia ou sua religião – que hoje para nós não deixam de ser a mesma coisa - constava o de que a cidade possuía um nome oculto, e uma esquecida crônica conta que um tal cavaleiro, Valério Sorano, caiu em desgraça por tê-lo revelado. Um famoso e prolífico( escreveu mais de cinqüenta livros) místico sueco, que foi célebre por seu trabalho científico como engenheiro bélico e biólogo na côrte de Carlos IX, o da Carlíada de Voltaire, assegurou que em um de seus transes, em que perambulou por regiões sublimes e por fétidos orbes inferiores, foi-lhe dado saber, entre outras coisas, que todas as pessoas possuem um nome secreto, e que as almas que no post-mortem esquecem os seus, são almas perdidas, não se lembrarão quem foram nem quem são, estarão condenadas ao esquecimento e à extinção. Na religião muçulmana é corrente a lembrança de que o profeta afirmou que Allah possuía cem nomes, dos quais noventa e nove eram conhecidos dos homens, mas que havia um que nunca se saberá. Na Bíblia podemos encontrar como sendo a ameaça de uma punição capital quando lemos “...e toda a maldição dita aqui jazerá sobre ele; e o Senhor apagará o seu nome de debaixo do céu ”( Deuteronômio 29,20 ). Em todas as épocas, os bruxos – que pulularam em nossas fábulas até perderem o sentido - para maior eficácia de seus sortilégios, inserem os nomes das vítimas em seus feitiços, que levam entre seus ingredientes pronúncias mágicas. Parece-me que ainda hoje levamos conosco algo desse estigma, quando, por exemplo, não admitimos que certas palavras sejam associadas ao nosso nome, ou quando, como se quiséssemos evitá-lo (ou como um inconsciente escrúpulo, por falar de alguém que não pode se manifestar, embora nos possa ouvir), afetamos uma espécie de cerimônia ao pronunciarmos o nome dos mortos.
Jean Jacques Rousseau, mesmo em pleno fulgor do iluminismo racionalista, de que foi arauto incansável, e sofrido, acreditou que nossas necessidades corporais, ao contrário do que se pensava e que se podia imaginar, jamais poderiam ter gerado a linguagem. Em um ensaio brilhante propôs que os homens primitivos, para afugentar a sede, o frio e as feras, podem ter-se reunido, solidários, à beira da fonte e do fogo, mas continuariam assim, como os lobos, entre gestos e grunhidos, a perpetuar a cada geração o mesmo instinto de sobrevivência, de modo que o que nos fez realmente falar foram nossas paixões, isto é, a suspeita de que o espelho d`água pudesse também estar refletindo um rosto cuja alma era a parte sensível que nos faltava para compartir e ajudar a entender o amor, a solidão, a esperança ou o temor ( Essai sur l`Origine des Langues, Montlouis, 1759). Em outro capítulo dessa história, o poeta e pintor genebrino Giorgio de Burgos entendeu que as línguas eram atributos tão superiores e complexos, que cada idioma era, em si, uma das variantes deste mundo; dizer tanatus, verbi gratia, era uma das formas de ver a morte. De aspecto semelhante, embora com mais labor e menos candura, foi a teoria dos ídolos, pensada, trezentos anos antes, por Francis Bacon, onde as palavras, as próprias gastas palavras – os idola fore –, contaminavam de dubialidade os caminhos do discurso em busca da verdade, já que cada palavra teria um significado diverso para cada interlocutor, conforme seus interesses, sua ética, sua experiência individual, sua índole, etc. ou a dos rabinos que propuseram, no século XVI, a tese cabalista de haver, num texto sagrado, tantas interpretações quanto leitores o houvessem lido.
Num dos seus contos, Jorge Luiz Borges de certo modo aludiu à velha sentença de Protágoras, de que o homem - nesse caso de forma bem pragmática - é a medida de todas as coisas, quando sugeriu que os homens modernos habitam um espaço onde tudo remete às formas ou as necessidades humanas, onde tudo são extensões de seu corpo ou de sua imaginação, “...uma poltrona pressupõe o corpo humano, suas articulações e partes; a tesoura, a pinça do indicador e o polegar, o ato de cortar,...”(There are More Things, El Libro de Arena, p. 40); por outro lado não podemos conceber um espaço ocupado por objetos completamente desconhecidos ou dissímeis, ou que, no mínimo, mesmo a nossa fantasia, respaldada por experiências anteriores, não possa abarcar ou aduzir; isto é, para vermos uma coisa é preciso compreendê-la e para compreendê-la, é necessário nomeá-la. No catálogo clínico das espécies de cegueira, há um tipo curioso, chamado Agnosia, que não priva o paciente da visão dos objetos, mas o priva da capacidade de reconhecê-los, distingui-los e relacionar, o que o torna tão cego quanto os outros cegos comuns.
O nosso João Guimarães Rosa, que parece ter perseguido os passos de James Joyce no quesito da experiência lingüística, numa de suas pesquisas de campo, onde coletava material para seus densos livros, certa vez ficou intrigado ao descobrir que uma espécie de planta com folhas macias e aveludadas, era chamada pelos índios daquela região de Velvo; lembrando-se que velvet significa veludo em inglês, e imaginando que aquela era uma estranha coincidência, lembrou-se do que havia dito Platão.
Hoje sabemos, está aí o auxílio dos instrumentos fonoaudiólogos, que quando se diz a palavra Eu, por exemplo, em todas as línguas estudadas ( ego, yo, I, Io, je, etc.), o som permanece em torno da nossa boca, e quando se diz Tu, o som vai em direção de nosso interlocutor. De maneira semelhante, as expressões no passado parecem se voltar para trás da cabeça, e as do particípio, inflexionarem-se para dentro. É clássico o exemplo dos índios das ilhas Marquesas – os mesmos que, nos anos mil e oitocentos, impressionados com a história de Joana D’Arc, inquiriram a seu tutor, um padre da companhia de Jesus, até que ponto podia chegar a perversidade dos homens, pois não entenderam como poderiam ter martirizado e queimado uma pessoa sem que fosse para comê-la - cuja linguagem dá às cores Azul e Verde o mesmo nome: ou eles não fazem caso dessa distinção, ou sua estrutura lingüística não as discrimina. Temos ainda o caso dos esquimós do Alasca, que dão à neve mais de vinte nomes diferentes, conforme o uso ou o tipo.
A lingüística moderna estranhamente, talvez inspirada no método empirista, que, cansado dos erros anteriores, não admite supor a mais óbvia das premissas – ou, quem sabe, para não ter que quebrar a cabeça - atribui às palavras uma pobre origem chinfrim e aleatória. É a alegórica tese do Gêneses, onde Adão batiza todos os seres. Seus discípulos parecem não suspeitar que essa lógica contém a insustentável tese de que a linguagem nada mais possa ser que um sistema de símbolos arbitrários, é como se, sem conjeturar sobre a parcialidade do nosso conhecimento, cometessem o desatino de asseverar que os léxicos e os dicionários são anteriores aos idiomas que englobam ou tentam englobar.

Ricardo M P Nunes, Jan’05.

Espaço Literatura: A Via Expressa


Espremido em minha torre particular, cubículo frio e opressor, fruto da evolução burguesa modernista, fico a observar o mundo que me cerca. Mundo que vai e vem numa dinâmica atordoante. Objetos velozes, lentos, das mais variadas formas e cores. Fortes e fracos, como a armadura de um cavalheiro medieval e a fina pele do consumidor sem coração. São blindados que protegem carne e vaidades, interesses e sonhos, negócios e prazeres. Mundo que se transforma com o andar demorado dos segundos; mesmo que seja na mudança de um corpo de um lugar para o outro. Qualquer que seja a mudança haverá transformação, como de uma expressão severa e triste, a qualquer momento, se tornando numa expressão alegre e humana. Haverá sim transformação e sempre haverá mudança em nosso meio, mesmo que sejam as velhas e já conhecidas, que de tão esquecidas se tornam novas..., novinhas, como as músicas românticas que nunca mudam de assunto.
Continuo aqui em meu reino estático, egoísta e mesquinho, fico a imaginar quantos reinos, quantas particularidades egoístas vão e vem sem parar. Centenas..., milhares de vidas que de tão diferentes umas das outras, acabam exprimindo o mesmo sentimento único, o de querer o que sentem. Mudam-se somente as pessoas, os sentimentos são os mesmos – ou haverá alguém na face da terra que sente coisa diferente nunca antes sentida? –, características de nós seres humanos, que aos milhares, somos apenas um só.
Sob sol e chuva, dia e noite, a via única não se cansa. É a artéria que conduz o sangue, fonte da energia, que faz o corpo se movimentar, como a transformação da cidade, a cada instante. Os interesses vão e voltam, os mesmos direi sempre; nada diferente, apesar da dinâmica visual enganadora. Pobre de nossos olhos que vêem coisas que não são verdadeiramente reais, vêem a roupa nova da marca burguesa, como a linda face da mulher artificial ou natural, tanto faz! Vêem apenas o que é visível, como crianças a observar o teatro de marionetes, sem saberem o que se esconde por trás das cortinas. Assim é a vida. Por detrás da pele e por detrás dos ossos existe algo que não sabemos o que realmente é; e nunca saberemos, pois somente acreditamos naquilo que diz os nossos olhos: se somos isto, ou aquilo, o que realmente queremos na vida, ou pra ser sincero, o que representamos nesse mundo sombrio e dinâmico de coisas que vão e vêm.
O cansaço já toma meu corpo. O cansaço de observar os milhares e milhares de objetos de tamanhos e cores diferentes, mas todos com o mesmo objetivo em comum, futilidades! As mesmas que fazem da cidade o que ela é hoje, monstruosa, traiçoeira, consumista e grande.
Aguardo a revolta da via expressa, como um infarto de última hora. Deixará de passar nela a sêde de consumo, os interesses de falso amor ou então os interesses diversos que impulsionam o ato de movimentar-se. Aguardarei sem forças pra me mover, pois estou preso nessa mesma rede que faz de mim, milhares de ‘eus’, todos iguais...
Ficaria surpreso, depois da xícara quente de café sem marca, observar um objeto de movimentação diferente daqueles que passavam pela via expressa. Movimentação sem direção certa, sem velocidade marcada, sem estrutura definida, sem mercadoria, sem falsos desejos, sem futilidades! Tudo seria novo. Inédito na vida das pessoas. Passaria pela via expressa sentimentos de amor e sinceridade, ajuda aos mais necessitados ao invés do olhar nas vitrinas; o caminhão baú repleto de quinquilharias seria transformado num mundo verdadeiro e silencioso, mas seria um mundo que não viveria o humano, viveria algo diferente, algo sem matéria, sem pele, sem osso, só haveria sentimentos que não seriam coados pelo filtro humano da cobiça, mas se expressariam por si mesmos.
Acho que por hoje pensei demais, estou muito cansado, vou tomar mais uma xícara de café e dormir...

(Silfra Doval, Taubaté, 22 de julho de 2005).

sábado, 17 de julho de 2010

Copa do Mundo e Olimpíadas – Uma prestação de contas transparente.



No ano de 2014, o Brasil será protagonista da Copa do Mundo FIFA de futebol e logo depois, em 2016, teremos em território tupiniquim as olimpíadas, mas o que esperar de nossos governantes a respeito da organização de tão importantes eventos?
Sinceramente eu sou contra a todos esses eventos que terão por sede o Brasil, não por desgostar de futebol ou de outra modalidade esportiva, mas é por perceber que esses eventos serão utilizados muito menos para levantar a alma do esporte, principalmente a do Brasil, e mais para servirem de oportunidade de ouro para aqueles que querem enriquecer menoscabando os cofres públicos, através da manipulação da máquina estatal.
Esse pensamento parece ser o mesmo de sempre, o do blá, blá, blá... de que todo político não presta ou de que todo mundo quer se dar bem através do dinheiro público. Acho que é por aí mesmo, mas não como um caso sem solução, pensado no meu fútil comodismo de expectador que clama por uma atuação divina em nossa política, mas sim por perceber que ainda teremos que ter muitos anos de educação e civilismo para aprendermos que antes de qualquer intenção individualista, oriunda desde a casa grande, a preocuparmos, em primeiro plano, com o nosso país, com a nossa sociedade, as nossas escolas, a nossa segurança, os nossos tão abandonados hospitais, as nossas estradas, a nossa cultura, o nosso orgulho de sermos brasileiros, não o do momento da copa, pois só dura 1 (um) mês, e isso quando ganha..., mas o orgulho de vivermos numa sociedade de verdade, numa cidade limpa, longe da associação com os chiqueiros, e de principalmente constatarmos, nos momentos de derrota, que apenas foi um jogo de futebol que perdemos, ou de uma competição de atletismo que deixamos de ganhar uma medalha, mas nunca sentirmos o vazio (que sempre fica) de toda uma carência que há séculos nos solapam, o da negligência, o da falta de uma administração séria, o do verdadeiro amor pelo Brasil!
Esse texto pode ter lá os seus exageros, mas é verdadeiro!
Há pouco tempo tivemos o exemplo dos jogos Panamericanos que Rede Globo apenas exaltou e fantasiou o espírito esportivo, mas como sempre... omitiu a verdade. Uma verdade que se chama vergonha em termos de administração, em termos de moralismo, em termos do verdadeiro e único orgulho de sermos brasileiros, que poucos tiveram a coragem de difundir na imprensa e que como sempre, talvez por interesses de vários segmentos, não teve a repercussão desejada.
Que venha a Copa de 2014, que venha as Olimpíadas! Espero que a maturidade e o comprometimento com as coisas sérias de nosso país sejam verdadeiramente alcançadas, mesmo que para isso seja necessário abdicarmos alguns privilégios, ou melhor, alguma comodidade.

(Por Franco Aldo, Rio, 16 de julho de 2010).