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terça-feira, 12 de junho de 2012

O STF, A JUDICIALIZAÇÃO EFETIVA E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


Se antes o Judiciário brasileiro vivia das críticas de um comportamento passivo frente aos grandes entraves de interesses, frutos, talvez, de uma mudança de comportamento e pensamento da sociedade; hoje, o dilema está voltado para uma atuação que, para alguns, invade a seara política, ao ponto do Poder Judiciário ter poder de legislar, como se legislativo ou executivo fosse.
Questões polêmicas que põe em discussão interesses do Estado em oposição a direitos fundamentais, como também entraves que põe em cheque dogmas religiosos em detrimento a avanços científicos, e ainda mais polêmicos, a aceitação de mudanças comportamentais que geram direito, como o casamento homossexual; tudo isso são algumas questões complexas que clamam pela participação da sociedade, através de seu legislativo, mas que, ultimamente, tem como julgador supremo o Poder Judiciário.
O problema que muitos vislumbram está na própria essência do estado democrático de direito. O Poder Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, não é o poder legitimado para legislar em questões que põe a moral da sociedade em jogo. É o que Ingebord Maus chamou de “superego da sociedade órfã” ou o que Viana Lopes classificou como “Invasão do Direito”.
Ultimamente, questões complexas como a autorização de experiências com células-tronco embrionárias, as ações referentes às cotas nas universidades públicas para negros e índios, a imposição do uso das algemas e a possibilidade da autorização legal para o aborto de fetos anencefálicos estão na pauta do STF para decisão dos seus ministros. Portanto terão o poder de decidir pela maioria, pelo povo.
No dia 12 de abril deste ano o STF julgou legal a interrupção da gravidez em que a gestação seja de um feto com anencefalia, ou seja, de fetos cuja má-formação do cérebro e do córtex inevitavelmente leva ao óbito após o nascimento. O julgado não agradou a todos, principalmente, aos representantes religiosos, de direitos humanos e boa parcela da sociedade. E a discussão está longe de ter um fim pacífico.
Para ilustrar o debate sobre o verdadeiro papel do judiciário no estado democrático, o Ministro Ricardo Lewandowski, único ministro do Supremo Tribunal Federal a se declarar contrário ao prosseguimento da ação que tenta descriminalizar a interrupção da gravidez no caso de fetos anencéfalos, disse ao Consultor Jurídico, após o julgado do dia 12, que “caso desejasse, o Congresso Nacional, intérprete último da vontade soberana do povo, considerando o instrumental científico que se acha há anos sob o domínio dos obstetras, poderia ter alterado a legislação criminal vigente para incluir o aborto de fetos anencéfalos”.
Portanto é o cerne desta discussão, onde a preocupação de alguns, mas não de todos, reporta para o comportamento de uma judicialização excessiva, isto é, uma postura política do judiciário frente a questões que envolvem direitos fundamentais e interesses de minorias. É o que Maus enfatiza como “entronização do Judiciário” como mecanismo de controle social.
É claro que tal comportamento se origina de uma anomalia do Poder Legislativo, do Executivo e da própria sociedade.
Na verdade essa “invasão” do Judiciário na análise e nas decisões puramente políticas, isto é, nos assuntos que deveriam tramitar nas casas do Legislativo e do consentimento do Executivo, pode ser indício de uma crise velada nos dois poderes competentes. Além de que é bem verdade que o Legislativo e o Executivo, ultimamente, têm se preocupado muito mais com escândalos políticos e obras de grande vulto do que assuntos complexos, com alto grau de discussões.
No caso da autorização de experiências científicas com células-tronco embrionárias, a exemplo do aborto de fetos anencefálicos, o que se está em jogo é muito mais o desgosto da igreja perante o caso. Na verdade põe em cheque um direito fundamental importantíssimo, a dignidade da pessoa humana, claramente estampada no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal de 1988.
No dicionário, a palavra ‘dignidade’ vem do latim dignitas (substantivo feminino) e pode ser interpretada como: qualidade de digno; modo digno de proceder; procedimento que atrai o respeito dos outros; brio; gravidade.
Portanto, no direito, quando ações envolvam o direito fundamental da dignidade da pessoa humana deve ser encarada de modo que seja ética frente à comunidade humana, que seja producente e que encontre a aceitação e consentimento de seus pares.
No caso da autorização de experiências científicas com células-tronco embrionárias, o assunto é controverso não só no Brasil, mas em todo o mundo.
As células-tronco embrionárias podem assumir o formato de qualquer outra célula do corpo humano. O objetivo da comunidade científica é usar o material no tratamento de um amplo leque de doenças, sempre o usando em substituição a tecidos lesionados. As células, no entanto, causam controvérsia por sua criação requerer a destruição de embriões humanos, considerados seres vivos pela Igreja.
No tocante às questões jurídicas sobre a experiência com células-tronco que envolvem profundamente o princípio basilar da Constituição da República Federativa do Brasil – o da dignidade da pessoa humana – e por isso já se consubstancia como matéria tipicamente legislativa, o Poder Judiciário tem assumido um papel que, aparentemente, no tocante à democracia, é contraproducente.
Entretanto, o pensamento ora exposto não encontra apoio da maioria dos doutrinadores. Nessa órbita, Castro (1997) apud Rabay (2010), leciona que:

“ao analisar o impacto político do comportamento do Supremo Tribunal Federal, ressalta que, do ponto de vista do processo político, o fenômeno promove uma interação entre os Poderes que não é, necessariamente, prejudicial à democracia, eis que ela sucede quando “os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostram falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições, ocorre uma certa aproximação entre o Direito e Política e, em vários casos, torna-se difícil distinguir entre um ‘direito’ e um ‘interesse político.”

Portanto, assuntos como o uso das células-tronco e autorização legal para o aborto de fetos anencefálicos são matérias que deveriam ter uma participação maior da sociedade e uma postura mais ativa do Legislativo e do Executivo.
Como forma de encontrar as causas dessa anomalia, talvez, o desinteresse do povo por assuntos desse quilate esteja calcado na falta de debates e esclarecimento dos prós e dos contra.
Com relação aos dois poderes competentes para legislar e fazer cumprir a lei (Legislativo e Executivo), esse fenômeno de ação política do Judiciário pode denotar uma crise de identidade e de desvio de interesses, seja pelos diversos escândalos políticos que atrapalham a legislatura, seja por prioridades a interesses econômicos, como as obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas, por exemplo.
É claro que para o bem da saúde democrática do país essa “entronização do Judiciário” em questões de controle dos anseios sociais, com o tempo, pode ser interpretada não como falha do sistema de separação dos poderes, mas, sim, como uma interação positiva que põe em discussão as idiossincrasias da sociedade e da política brasileira.

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